História da Comunidade Maria Theodora Gonçalves – ACTHEO

 A Comunidade Quilombola Maria Theodora está localizada em Corumbá, no estado de Mato Grosso do Sul. Corumbá fica aproximadamente 15 km da fronteira boliviana e 425 km da capital, Campo Grande. A região faz parte do Pantanal e a Comunidade Maria Theodora está localizada na Rua Luís Feitosa Rodrigues, no bairro Nossa Senhora de Fátima.

Figura 1 – Localização e mapa do Mato Grosso do Sul/BR

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Fonte:

Figura 2 – Localização e mapa do município de Corumbá/MS

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Fonte:

 O mapa abaixo identifica a localização das três comunidades reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) na área urbana do município de Corumbá-MS e os respectivos bairros, Borrowisk e Nossa Senhora de Fátima. Com destaque também para a ilha do Pescador, área reivindicada pela comunidade Família Osório.

Figura 3 - Mapa de localização das comunidades quilombolas no município de Corumbá-MS

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Fonte: Souza (2024)

 A história da comunidade começou com o casamento de Maria Theodora e Mariano Gonçalves de Paula e a busca pela sobrevivência ainda no então Mato Grosso. De acordo com os relatos de sua neta, Natalícia Gonçalves “Meu avô Mariano era bem baixinho, bem escuro, o pé dele era bem achatado, não tinha como colocar sapato, só chinelo. Então ele andava mais descalço. Quando veio para a cidade, ele aprendeu calçar. Minha avó também tinha o pé achatado, e só andava descalço”.

 O nome da comunidade Maria Theodora está relacionado à matriarca da família, que era casada com Mariano Gonçalves de Paula, de acordo com a Ata n.º 1/201039 de outubro de 2010 que é data da fundação da Associação da Comunidade Quilombola Maria Theodora (ACTHEO). De acordo com Natalícia Gonçalves todos os familiares concordaram em nomear a comunidade em homenagem à avó, Maria Theodora, porque era uma pessoa muito boa

Figura 4 - Maria Theodora Gonçalves de Paula e Mariano Gonçalves de Paula

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Fonte: Souza (2024)

 A história registrada na Ata de criação da comunidade diz que a comunidade existe há 90 anos, a matriarca da nossa comunidade foi Maria Theodora Gonçalves de Paula, que havia sido escrava na região de Mimoso – MT, morreu ainda jovem, antes dos 50 anos, foi casada com Mariano Gonçalves de Paula, descendente de escravizados, que veio de Cuiabá por volta de 1920, conheceu Dona Maria Theodora, que trabalhava em uma fazenda na região do Pantanal, nas imediações de Corumbá.

 Na época pagou certa quantia de dinheiro, uma espécie de alforria, com este pagamento conseguiu levá-la para a cidade de Corumbá, mais precisamente onde é hoje o Bairro Nossa Senhora de Fátima, num local que era conhecido por Avenida Operária, mas que era uma mata fechada, onde havia muitas frutas silvestres, melancia, maxixe, abóbora, mas também muitos bichos peçonhentos, como cobras, aranhas e escorpiões, mas conseguiram superar estas adversidades e manter a família no local até a presente data (ACTHEO, 2010, p. 2).

Natalícia conta que:

 Minha vó era sofrida… A história dela é muito dura… passou muita fome… Foi escrava e meu avô trouxe ela de Cuiabá, moraram um tempão em Cáceres. Depois que vieram pra Corumbá. Vieram de navio. Meu avô, Mariano, era cozinheiro, trouxe ela escondida no conteineir. Não era naquele tempo contêiner, né? Era uma caixa… Ele tinha que roubar comida para dar prá ela… 

 Ficaram escondidos no Porto Geral, depois moraram em frente ao cemitério e de lá que vieram para cá. A minha vó teve muitos filhos, um que não caminhava, só arrastava (BARBOSA, 2024).

 A história de Maria Theodora reforça a história de uma mulher negra, escravizada e alforriada que, em seu tempo, mesmo com a violência da escravidão e a invisibilidade do pós-abolição, resistiu. Mariano, descendente de escravizados, comprou a liberdade da futura esposa. Assim após alcançar a liberdade, vieram para Corumbá, sofrendo com as adversidades.

 De acordo com Natalícia Barbosa , o avô dizia que “tinha que esquecer isso tudo” e que “ele não contava o nome das pessoas para quem trabalharam”. Ela é categórica ao afirmar que a avó, Maria Theodora, foi escravizada.

 Maria Theodora e Mariano passaram então a buscar por um território que seria fundado no parentesco e na fé para o sustento da vida em comunidade. O reconhecimento do território iniciou com a certificação da autoatribuição quilombola de Maria Theodora, pela Fundação Cultural Palmares em dezembro de 2011. 

 Por outro, estão à espera do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que definirá seu território tradicional a ser publicado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Figura 5 – Certidão de Autodefinição Comunidade de Família Maria Theodora Gonçalves de Paula

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Fonte: Souza (2021)

 Atualmente, de acordo com a presidente Elizabeth Silva , em torno de 20 a 25 famílias vivem na comunidade localizada à rua Luís Feitosa Rodrigues, entre a Duque de Caxias e a Monte Castelo. Nas palavras de Silva “Só lá. Muitos moram no bairro Aeroporto, outros na Nova Corumbá, no Jardim dos Estados, em Campo Grande (capital do estado de Mato Grosso do Sul) e no Rio de Janeiro. Nossa família é muito grande”.
 Os serviços públicos disponíveis na comunidade são o fornecimento de água e energia elétrica, com posto de saúde e escolas nas proximidades. Silva diz que “a formação da nossa comunidade é muito bacana. Foi uma das primeiras comunidades a ser reconhecida, lá na prefeitura como quilombola Maria Theodora”.

 As formações de quilombos aconteceram de diferentes maneiras. O que fica claro é que as comunidades quilombolas se originaram dos esforços dos ancestrais negros que procuraram um modo de vida oposto àquele vivido durante a escravidão. 

 De acordo com os quilombolas da comunidade Maria Theodora, como em outros quilombos Brasil afora, a família recebeu doações de terreno e em alguns casos a filha (Cacilda Astrogilda Gonçalves Barbosa de Paula) do senhor Mariano e a dona Maria Theodora efetuou a compra.

 De acordo Natalícia Gonçalves “Minha mãe fez muita cura. Aí vinha muita gente de vários lugares. Ela fez mudo falar, surdo ouvir e o paraplégico andar. Curou muita gente. Curou gente com câncer. Cuidou das pessoas, não cuidou dela”. A figura seis representa o interior da tenda N.Sra. da Conceição com o altar e a fotografia da mãe de santo Cacilda. A figura sete com a senhora Natalícia Barbosa próxima ao altar da referida tenda e ao fundo a fotografia de sua mãe Cacilda e, acrescenta-se ainda a imagem oito da frente da tenda.

Figura 6 – Cacilda Astrogilda G. B. de Paula

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

Figura 7 – Natalícia Barbosa

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

Figura 8 – Tenda N.Sra. da Conceição

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

 A comunidade formou-se, então, pelas doações e pela compra da terra que passou a ser habitada pelo casal e seus descendentes. Mariano Gonçalves de Paula trabalhava como cozinheiro em embarcações. Também pescava e, juntamente com a esposa, Maria Theodora, cultivavam algumas hortaliças e praticavam a fé. 

 A união familiar de amizade e respeito entre os quilombolas expressam os traços marcantes dessa comunidade.
O cuidado do senhor Mariano durante o namoro das filhas, nas lembranças de Elizabeth Silva , era “minha mãe falava que o namoro dela era ela numa ponta e papai numa outra ponta e vovó e vovô ficavam no meio dos dois”. Já para Natalícia Gonçalves misturou as raças através do casamento. Segundo ela, alguns quilombolas se casaram com paraguaios, “misturando tudo”.

 A comunidade recebe os recursos hídricos, eletrificação, posto de saúde próximo e, também escolas tanto da rede estadual de ensino quanto municipal. A maioria dos quilombolas trabalha no serviço público, alguns no comércio local e também de forma informal.
 A identidade cultural da comunidade é representada pela religiosidade com as tendas Nossa Senhora da Guia e Nossa Senhora da Conceição. Para Natalícia Barbosa , a mais importante festividade religiosa é a que realizam no dia 13 de maio: “Pra nós é assim, como nós trabalhamos com o espiritismo, todos os que morreram na senzala, voltam prá trabalhar” e que todos participam e, assim, “Todo mundo contínua unido.

 Todo mundo contínua pé no chão”. Pois, “Nós somos discriminados. Muitos passam por aí e falam assim: aí nessa casa mora só macumbeiro. Nós não somos macumbeiros. Nós somos espíritas. Eu fui da religião, que veio da África pra cá. Onde meus parentes eram escravos e deixou prá nós. Então, não existe macumbeira. Existe umbandista. Eu sou umbandista e sou espírita. Não é macumbeira. Macumbeira é uma árvore e uma fruta”, ensina Natalícia.

Figura 9 - Tenda Nossa Senhora da Guia

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

 A participação da festividade do Banho de São João, segundo a atual presidente Elizabeth Florência Corrêa Silva é desde os tempos da “minha tia Cacilda”. Nos tempos atuais, Silva diz que a prima Joyce (bisneta de Maria Theodora) formou um grupo de crianças que leva todos os anos para participar do Banho de São João, no Porto Geral.

Figura 10 – Banho de São João

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

 Outro festejo é a distribuição de doces em comemoração ao dia de Cosme e Damião feito pela Porcina, neta da Cacilda. A atual presidenta Elizabeth Florência da Silva acrescentou ainda a distribuição de marmitas às pessoas carentes feitas pelo Joãozinho e também por Ana Claudia no dia 12 de outubro, em comemoração ao dia de Nossa Senhora Aparecida. Os recursos para realização das festividades provêm de doações e também da própria comunidade. Elizabeth ressaltou que “Todas as celebrações são importantes e não podem parar, é a alegria não só da comunidade, mas, para a população em si”.
 Elizabeth Silva entende que “Todos nós somos iguais, então temos que tentar. Toda a raça, somos iguais. Não tem preto, não tem branco, não tem sem perna, sem braço, todos nós somos iguais. Então, nós temos que tentar deixar bem vivo para os que estão vindo, né? Para que vejam que realmente todos nós somos iguais”.

Figura 11 - Cosme e Damião

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

Sobre o desfile cívico de 21 de setembro em que se comemora o aniversário da cidade, Elizabeth Silva registra que a participação se dá através das escolas em que os filhos quilombolas estão matriculados e também através do movimento negro.

Figura 12 – Crianças quilombolas prontas para o desfile de aniversário de Corumbá

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

Figura 13 – Comunidade ACTHEO pronta para o desfile de aniversário da cidade

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

Outros destaques da comunidade é a modelo Yasmin Vitória (figura 14) que representa a comunidade nos desfiles de moda nas cidades de Corumbá e Ladário. Por outro lado, Marília Gonçalves com a dança de zumba representando a comunidade Maria Theodora nos municípios pantaneiros e também na capital, Campo Grande/MS.

Figura 14 – modelo Yasmin Vitória

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

 Assim, como inúmeras comunidades quilombolas brasileiras, a comunidade Maria Theodora luta pelo direito a terra e a respectiva titulação junto ao INCRA. Nesse sentido, ao receber a titulação do território quilombola e com as prováveis mudanças a certeza fica no sentido de preservar a moradia do senhor Mariano e da senhora Maria Theodora (figura 15 ao centro da imagem) “Eles não querem que desmanche a casa do meu avô, a casinha deles de madeira, se for para acabar acabe com o próprio tempo. A casa fica onde o Joãozinho mora, ele morou só ali”. Enfatizou a presidente Elizabeth Silva.

Figura 15 – Casa de madeira ao centro onde moravam Maria Theodora e Mariano

Fonte: Acervo da ACTHEO (2024)

Rodapé

Elizabeth Florência Corrêa da Silva, neta de Maria Theodora Gonçalves de Paula, atualmente com 53 anos, foi entrevistada pela autora desse texto, no dia 26/03/2024 em sua residência, localizada na comunidade.

Natalícia Gonçalves Barbosa, neta de Maria Theodora Gonçalves de Paula, atualmente com 64 anos, foi entrevistada pela autora desse texto, no dia 21/03/2024 em sua residência, localizada na comunidade.

Fontes orais:
BARBOSA, Natalícia Gonçalves. Entrevista. Entrevista concedida à pesquisadora Vanete Maria Moura Santos. Corumbá, MS, 2024.

SILVA, Elizabeth Florêncio Corrêa. Entrevista. Entrevista concedida à pesquisadora Vanete Maria Moura Santos. Corumbá, MS, 2024.

Fontes documentais:
ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA RIBEIRINHA FAMÍLIA MARIA THEODORA. Ata de Reunião n.º 01/2010, ACTHEO, 2010.

Referências:
SOUZA, João Batista Alves de. As trajetórias e resistências das comunidades quilombolas do Pantanal Sul-Mato-grossense [livro eletrônico]/ João Batista Alves de Souza. Porto Alegre: TotalBooks, 2021.

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